Escravos domésticos juntos de sua senhora |
Talvez nenhum tema (ou instituição ou aspecto sócio-econômico) seja mais importante para a história do Brasil que a escravidão. No entanto, não é algo tão simples como às vezes parece. Antigamente quase tudo era resumível em "africanos trazidos para o Brasil para trabalhar na agricultura - cana e depois café - vivendo em senzalas". Porém, a cada ano os historiadores chegam a um quadro mais complexo, destacando particularidades regionais, diferenças quanto ao tipo de trabalho, versatilidade dos escravos, ambiente rural versus urbano, componentes africanos também particulares influindo nas relações escravistas, etc.
Tenho uma grande amiga, Ynaê Lopes dos Santos, que é especialista em escravidão urbana no Rio de Janeiro e, agora no doutorado, pretende comparar este universo carioca à realidade de Havana (Cuba). Na época em que ela terminou o mestrado, em 2007, deu uma entrevista para a Agência USP de Notícias. Abaixo seguem alguns trechos comentados.“Os escravos urbanos tinham duas formas básicas de morar. Em alguns casos, residiam nas mesmas casas dos senhores, dormindo muitas vezes em esteiras nos corredores, sótãos ou porões. Porém, segundo documentos da época, alguns deles moravam longe dos seus proprietários, em casas alugadas, casebres e cortiços: era o chamado morar sobre si”
Escravos e suas atividades urbanas |
Na cidade, os senhores colocavam grande parte dos negros escravizados para trabalhar como “escravos ao ganho”, exercendo desde funções mais qualificadas, como barbeiros, sapateiros e artesãos, até trabalhos braçais. “Muitos também executavam as tarefas domésticas. Além de seu próprio sustento escravo, parte dos rendimentos era destinada ao senhor para pagamento da diária previamente estipulada”, conta Ynaê.
Em diversas situações, eles passavam alguns dias fora da casa trabalhando e, após o período combinado com o proprietário, voltavam com o dinheiro. “Em alguns casos a única fonte de sustento da casa era obtida por meio dos escravos ao ganho, principalmente nas famílias mais pobres ou quando os proprietários eram mulheres ou viúvas.”
Segundo ela, dentre os mais de mil pedidos de licença [Pedidos de Licenças para Escravos saírem ao Ganho] existentes, há um que comprova claramente a prática do morar sobre si, ao discriminar endereços diferentes para o senhor e seu cativo.
Segundo Ynaê Lopes dos Santos o "morar sobre si" foi muito difundido na capital do Império, ao ponto de muitos casarões terem se transformado em cortiços de escravos. Porém, ela mesma alerta, isto não implicava em uma escravidão mais suave apenas por não existir o espaço da senzala ou uma aceitação da escravidão pelos escravizados. A ausência de revoltas escravas no Rio de Janeiro não significa passividade.
Pelourinho - o castigo público e exemplar |
“Na capital do Brasil, a resistência escrava e a luta pela liberdade foram, fundamentalmente, individuais, ainda que contassem com laços e redes de solidariedade. Assim como a alforria, o morar sobre si acabou sendo prática costumeira na cidade: durante todo o tempo, os escravos precisavam negociar com seus senhores para alargar sua autonomia, aproveitando para isso as mais diferentes situações”.
A matéria original se encontra AQUI.
Todas as imagens são gravuras de Jean-Baptiste Debret, pintadas entre as décadas de 1810 e 1831, quando o pintor francês voltou ao seu país de origem.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirNão sei porque, mas a Fernanda Alface apagou o comentário feito aqui. Em todo caso a questão é interessante e merece resposta.
ResponderExcluirMas esse negocio de morar sobre si ou morar com o senhor.. aconteceu em que época.. de 1808 em diante??
Na verdade é possível que o morar sobre si, ou seja, os escravos morarem sozinhos, já existisse antes de 1808. Mas os registros que temos é desta data em diante, além de o Rio de Janeiro ter passado por um forte processo de urbanização com a chegada da Corte Portuguesa. Com o aumento populacional o morar sobe si certamente se expandiu.
Ok?