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sexta-feira, 23 de março de 2012

Poema para ano eleitoral (só?)

O Analfabeto Político
                                                          (Bertolt Brecht)

O pior analfabeto
é o analfabeto político.
Ele não ouve, não fala,
nem participa dos acontecimentos políticos.
Ele não sabe que o custo da vida,
o preço do feijão, do peixe, da farinha,
do aluguel, do sapato e do remédio
dependem das decisões políticas.
O analfabeto político
é tão burro que se orgulha
e estufa o peito dizendo
que odeia a política.
Não sabe o imbecil que,
da sua ignorância política
nasce a prostituta, o menor abandonado
e o pior de todos os bandidos:
O político vigarista,
pilantra, corrupto e lacaio
das empresas nacionais e multinacionais.

quarta-feira, 21 de março de 2012

Propaganda e os propagandistas

Bertolt Brecht (1898-1956)
Como atividade optativa neste bimestre havia um trabalho com documentos cujo tema era o nazi-fascismo. Um dos documentos era, na verdade, um poema de Bertolt Brecht, um dos maiores dramaturgos do século XX e ferrenho crítico do nazismo desde o primeiro instante. Perseguido pelo regime de Hitler, Brecht deixou a Alemanha e perdeu sua cidadania alemã. Suas peças e poemas possuem sempre uma crítica ao nazismo ou à sociedade que aceitava a liderança do Führer sem qualquer questionamento. Até hoje o termo brechtiano se aplica ao teatro crítico e pedagogicamente político, voltado para o engajamento da sociedade contra a opressão.
No poema abaixo, Brecht trata justamente de uma das inovações nazistas: a propaganda. Como os nazistas estavam voltados para uma política de massas, era fundamental seduzir e conquistar o apoio da população como um todo. Nunca, até então, um partido (e depois um governo) havia usado tanto de propaganda: cartazes, comícios, rádio, cinema, tudo servia aos propósitos de sedução de corações e mentes.
O curioso é que a inovação nazista acabou se tornando o "feijão com arroz" da política . Experimente ler o poema sem as estrofes 2, 3 e 4, que são bem específicas. Não parece a descrição de qualquer campanha política? Ou mais, não parece a propaganda de qualquer coisa, do sabão em pó a um carro de luxo?

NECESSIDADE DA PROPAGANDA
1.
É possível que em nosso país nem tudo ande como deveria andar.
Mas ninguém pode negar que a propaganda é boa.
Mesmo os famintos devem admitir
Que o Ministro da Alimentação fala bem.
2.
Quando o regime liquidou mil homens
Num único dia, sem investigação nem processo
O Ministro da Propaganda louvou a paciência infinita do Führer
Que havia esperado tanto para ter a matança
E havia acumulado os patifes de bens e distinções
Fazendo-o num discurso tão magistral, que
Naquele dia não só os parentes das vítimas
Mas também os próprios algozes choraram.
3.
E quando em um outro dia o maior dirigível do Reich
Se desfez em chamas, porque o haviam enchido de gás inflamável
Poupando o gás não-inflamável para fins de guerra
O Ministro da Aeronáutica prometeu diante dos caixões dos mortos
Que não se deixaria desencorajar, o que ocasionou
Uma grande ovação. Dizem que houve aplausos
Até mesmo de dentro dos caixões.
4.
E como é exemplar a propaganda
Do lixo e do livro do Führer!
Todo mundo é levado a recolher o livro do Führer
Onde quer que esteja jogado.
Para propagar o hábito de juntar trapos* , o poderoso Göring
Declarou-se o maior “juntador de crápulas” de todos os tempos
E para acomodar os crápulas* fez construir
No centro da capital do Reich
Um palácio ele mesmo do tamanho de uma cidade.
5.
Um bom propagandista
Transforma um monte de esterco em local de veraneio.
Quando não há manteiga, ele demonstra
Como um talhe esguio faz um homem esbelto.
Milhares de pessoas que o ouvem discorrer sobre as auto-estradas
Alegram-se como se tivessem carros.
Nos túmulos dos que morreram de fome ou em combate
Ele planta louros. Mas já bem antes disso
Falava de paz enquanto os canhões passavam.
6.
Somente através de propaganda perfeita
Pôde-se convencer milhões de pessoas
Que o crescimento do Exército constitui obra de paz
Que cada novo tanque é uma pomba da paz
E cada novo regimento uma prova de
Amor à paz.
7.
Mesmo assim: bons discursos podem conseguir muito
Mas não conseguem tudo. Muitas pessoas
Já se ouve dizerem: pena
Que a palavra “carne” apenas não satisfaça, e
Pena que a palavra “roupa” aqueça tão pouco.
Quando o Ministro do Planejamento faz um discurso de louvor à nova impostura
Não pode chover, pois seus ouvintes
Não têm com que se proteger.
8.
Ainda algo mais desperta dúvidas
Quanto à finalidade da propaganda: quanto mais propaganda há em nosso pais
Tanto menos há em outros países.

* A palavra alemã Lumpen tem os dois sentidos, “trapos” e “crápulas”. (N. do T. )

segunda-feira, 5 de março de 2012

Li e lembrei de vocês

Relendo Mario Quintana, poeta de quem gosto muito, acabei me lembrando de vocês, alunos do Ensino Médio. Vejam se estes versos fazem algum sentido para vocês.

O Adolescente 
A vida é tão bela que chega a dar medo.
Não o medo que paralisa e gela,
estátua súbida,
mas
esse medo fascinante e fremente de curiosidade que faz
o jovem felino seguir para a frente farejando o vento
ao sair, a primeira vez, da gruta.
Medo que ofusca: luz!
Cumplicemente,
as folhas contam-te um segredo
velho como o mundo:
Adolescente, olha! A vida é nova...
A vida é nova e anda nua
- vestida apenas como o teu desejo!

Se o poema não te diz nada talvez seja a hora de sair da gruta...

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Nacionalismos Brasileiros II

O post anterior acabou me levando a reler minhas anotações. Há muito tempo tenho guardo quatro (?) "canções do exílio". Obviamente é uma brincadeira, mas não só minha. Os poetas adoram fazer referências, especialmente quando se veem engajados em alguma releitura do Brasil.
Gonçalves Dias, pai da verdadeira "Canção do Exílio" escreveu em 1843 quando se encontrava em Coimbra, estudando Direito. Olhando de longe, com saudade e inspirado pela poesia portuguesa de Alexandre Herculano e Almeida Garrett, assim se expressou:
Canção do Exílio
(Gonçalves Dias)

Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.

Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar — sozinho, à noite —
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
O poeta modernista mineiro, Murilo Mendes, escreveu em 1930 a sua versão da Canção. No entanto, seu exílio ocorria dentro do Brasil: imerso no país real escrevia com os olhos no país que desejava.
Canção do Exílio 
(Murilo Mendes)
Minha terra tem macieiras da Califórnia
onde cantam gaturamos de Veneza.
Os poetas da minha terra
são pretos que vivem em torres de ametista,
os sargentos do exército são monistas, cubistas,
os filósofos são polacos vendendo a prestações.
A gente não pode dormir
com os oradores e os pernilongos.
Os sururus em família têm por testemunha a Gioconda.
Eu morro sufocado
em terra estrangeira.
Nossas flores são mais bonitas
nossas frutas mais gostosas
mas custam cem mil réis a dúzia.

Ai quem me dera chupar uma carambola de verdade
e ouvir um sabiá com certidão de idade!
A preocupação com as influências externas, com os preços altos e a política turbulenta não apareciam nos horizontes de Gonçalves Dias. No entanto, o Brasil de Murilo Mendes ainda parecia mais suave que o de Cacaso, poeta da cidade de São Carlos (interior de São Paulo) que escreveu em 1974, imerso na Ditadura Militar.
Jogos Florais
(Cacaso)
I
Minha terra tem palmeiras
onde canta o tico-tico.
Enquanto isso o sabiá
vive comendo o meu fubá.

Ficou moderno o Brasil
ficou moderno o milagre:
A água já não vira vinho,
vira direto vinagre.

II
Minha terra tem Palmares
memória cala-te já.
Peço licença poética
Belém capital Pará.

Bem, meus prezados senhores
dado o avanço da hora
errata e efeitos do vinho
o poeta sai de fininho.

(será mesmo com dois esses
que se escreve paçarinho?)
Palmeiras que lembram Palmares, refúgio daqueles que lutaram contra a opressão, disputam lugar com um Brasil moderno, filho do "Milagre Econômico" da Ditadura. Saudade da terra onde a água não vira vinho, mas direto vinagre? Não parece. Mais semelhança há com o Brasil de Cazuza, do álbum Ideologia, de 1988, saindo daquela mesma Ditadura.

Brasil
(Cazuza)

Não me convidaram
Pra essa festa pobre
Que os homens armaram pra me convencer

A pagar sem ver
Toda essa droga
Que já vem malhada antes de eu nascer
Não me ofereceram
Nem um cigarro

Fiquei na porta estacionando os carros
Não me elegeram
Chefe de nada
O meu cartão de crédito é uma navalha

Brasil
Mostra tua cara
Quero ver quem paga
Pra gente ficar assim
Brasil
Qual é o teu negócio?
O nome do teu sócio?
Confia em mim

Não me convidaram
Pra essa festa pobre
Que os homens armaram pra me convencer
A pagar sem ver
Toda essa droga
Que já vem malhada antes de eu nascer

Não me sortearam
A garota do "Fantástico"
Não me subornaram
Será que é o meu fim
Ver TV a cores
Na taba de um índio
Programada pra só dizer sim, sim

Brasil
Mostra a tua cara
Quero ver quem paga
Pra gente ficar assim
Brasil
Qual é o teu negócio?
O nome do teu sócio?
Confia em mim

Grande pátria desimportante
Em nenhum instante
Eu vou te trair
(Não vou te trair)

Num misto de desapontamento e esperança, Cazuza, parece ao meu ver, sepultar a  "Canção do Exílio". Aquele ufanismo (= orgulho exagerado do país) não teria mais lugar no Brasil que, para muitos, renascia depois de cerca de duas décadas de Ditadura Militar. No mesmo ano da Constituinte o músico-poeta (ou poeta-músico) apresentava também naquele álbum a música título "Ideologia", enterrando também velhos heróis...

terça-feira, 12 de abril de 2011

Nacionalismos brasileiros

Aquele post sobre os pracinhas brasileiros (AQUI) motivado por um livro de Cesar Campiani Maximiano gerou um comentário curioso. Ao contrário do que eu poderia imaginar, um ex-aluno manifestou seu interesse por canções militares e se lembrou da "Canção do Expedicionário". Eu conhecia a "Canção" um tanto superficialmente, nunca havia me preocupado em lê-la com atenção especialmente porque, admito, respeito as Forças Armadas, mas meu pacifismo é um tanto radical ao ponto de me manter a uma boa distância da temática marcial.Desta vez, intrigado pela sugestão do Krisman nos comentários, fui ler e ouvir a "Canção do Expedicionário", inicialmente para entender o que ele havia achado de tão interessante! Não sei o que ele achou interessante, mas sei o que eu encontrei.
Guilherme de Almeida
Primeiramente, não me lembrava que a "Canção" era de autoria de Guilherme de Almeida (1890-1969). Apesar de sempre nos lembrarmos de Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Manuel Bandeira, Drummond, atualmente são poucas as referências aos demais modernistas. Almeida foi um grande poeta e grande propagandista da poesia do grupo da Semana de 1922, apesar de ser um pouco mais tradicional (ou parnasiano) que os demais. O poeta chegou a excursionar pelo Brasil dando palestras e lendo poemas para divulgar a poesia "moderna" da Semana. Daí meu espanto em ver seu nome em um hino militar, pois eu desconhecia sua participação na Revolução Constitucionalista de 1932, e suas poesias em comemoração ao IV Centenário da Cidade de São Paulo e à fundação de Brasília.
Contudo, não foi a biografia do poeta que mais chamou minha atenção. A poesia da "Canção do Expedicionário" é cheia de referências muito peculiares, a começar pela temática nacionalista ou mesmo ufanista. Este amor pela nação, pela ideia de uma comunidade cuja identidade comum a mantém unida, que de tempos em tempos resurge nos mais diversos pontos do mundo ocidental e frequentemente se reclama no Brasil de sua ausência transborda nos versos de Guilherme de Almeida. Um nacionalismo que é fundamental em uma canção militar, é verdade. Não se pode imaginar o envio de tropas à frente de batalha que não estejam plenamente identificadas com a bandeira que carregam. E o poeta, onde fica nesta história?
O modernismo paulista com sua proposta antropofágica, com seu manifesto pau-brasil, com sua defesa do olhar para as peculiaridades da própria terra, estava defendendo justamente uma arte que retomasse o Brasil, que olhasse para o Brasil como musa inspiradora. Alguns foram mais cautelosos, Almeida derramou-se em amor pela pátria. Ao expressar todo esse amor foi encontrar na literatura brasileira que ele tanto conhecia a referência no outro momento nacionalista por excelência: o Romantismo.
Creio que neste caso a referência seja óbvia no refrão da "Canção do Expedicionário":
Por mais terras que eu percorra,
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte para lá;
Sem que leve por divisa
Esse "V" que simboliza
A vitória que virá (...)
 Não há como negar a homenagem feita à "Canção do Exílio", de Gonçalves Dias:
Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Gonçalves Dias
Gonçalves Dias (1823-1864) escrevia sob a perspectiva de fundação de uma visão de Brasil explorando os temas consagrados do Romantismo, segundo Alfredo Bosi: a Natureza, a Pátria e a Religião. A exaltação da pátria de Gonçalves Dias manifestasse na saudade de quem estava na Europa enquanto Guilherme de Almeida escreve pensando no brasileiro que vai para a Europa em nome de um Brasil para o qual vai retornar, sem, contudo, deixar de explorar os mesmo temas, ainda que de modo diferente.
Em trecho seguinte, o poeta moderno volta a fazer referência ao colega romântico, mas também incorpora duas canções populares:
Você sabe de onde eu venho?
E de uma Pátria que eu tenho
No bôjo do meu violão;
Que de viver em meu peito
Foi até tomando jeito
De um enorme coração.
Deixei lá atrás meu terreno,
Meu limão, meu limoeiro,
Meu pé de jacarandá,
Minha casa pequenina
Lá no alto da colina,
Onde canta o sabiá.
 O sabiá de Gonçalves Dias aparece, então, cantando não mais no alto de uma palmeira, mas no "Meu limão, meu limoeiro", próximo à "Casinha da Colina", duas músicas extremamente populares. Ou seja, Guilherme de Almeida não só escreveu uma "Canção" nacionalista, como usou referências que tocavam fundo nas lembranças afetivas do brasileiro comum: sucesso na certa! Tinha como não dar certo?


Para saber +
No site da Academia Brasileira de Letras (ABL) há duas boas biografias.
Guilherme de Almeida se tornou um acadêmico em 1930, recebendo justamente a cadeira n. 15 cujo patrono é Gonçalves Dias.
Aproveite e leia também os "Textos Escolhidos" para cada autor.