Aquele post sobre os pracinhas brasileiros (
AQUI) motivado por um livro de Cesar Campiani Maximiano gerou um comentário curioso. Ao contrário do que eu poderia imaginar, um ex-aluno manifestou seu interesse por canções militares e se lembrou da "
Canção do Expedicionário". Eu conhecia a "Canção" um tanto superficialmente, nunca havia me preocupado em lê-la com atenção especialmente porque, admito, respeito as Forças Armadas, mas meu pacifismo é um tanto radical ao ponto de me manter a uma boa distância da temática marcial.Desta vez, intrigado pela sugestão do Krisman nos comentários, fui ler e ouvir a "Canção do Expedicionário", inicialmente para entender o que ele havia achado de tão interessante! Não sei o que ele achou interessante, mas sei o que eu encontrei.
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Guilherme de Almeida |
Primeiramente, não me lembrava que a "Canção" era de autoria de Guilherme de Almeida (1890-1969). Apesar de sempre nos lembrarmos de Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Manuel Bandeira, Drummond, atualmente são poucas as referências aos demais
modernistas. Almeida foi um grande poeta e grande propagandista da poesia do grupo da Semana de 1922, apesar de ser um pouco mais tradicional (ou parnasiano) que os demais. O poeta chegou a excursionar pelo Brasil dando palestras e lendo poemas para divulgar a poesia "moderna" da Semana. Daí meu espanto em ver seu nome em um hino militar, pois eu desconhecia sua participação na Revolução Constitucionalista de 1932, e suas poesias em comemoração ao IV Centenário da Cidade de São Paulo e à fundação de Brasília.
Contudo, não foi a biografia do poeta que mais chamou minha atenção. A poesia da "Canção do Expedicionário" é cheia de referências muito peculiares, a começar pela temática nacionalista ou mesmo ufanista. Este amor pela nação, pela ideia de uma comunidade cuja identidade comum a mantém unida, que de tempos em tempos resurge nos mais diversos pontos do mundo ocidental e frequentemente se reclama no Brasil de sua ausência transborda nos versos de Guilherme de Almeida. Um nacionalismo que é fundamental em uma canção militar, é verdade. Não se pode imaginar o envio de tropas à frente de batalha que não estejam plenamente identificadas com a bandeira que carregam. E o poeta, onde fica nesta história?
O modernismo paulista com sua proposta antropofágica, com seu manifesto pau-brasil, com sua defesa do olhar para as peculiaridades da própria terra, estava defendendo justamente uma arte que retomasse o Brasil, que olhasse para o Brasil como musa inspiradora. Alguns foram mais cautelosos, Almeida derramou-se em amor pela pátria. Ao expressar todo esse amor foi encontrar na literatura brasileira que ele tanto conhecia a referência no outro momento nacionalista por excelência: o Romantismo.
Creio que neste caso a referência seja óbvia no refrão da "Canção do Expedicionário":
Por mais terras que eu percorra,
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte para lá;
Sem que leve por divisa
Esse "V" que simboliza
A vitória que virá (...)
Não há como negar a homenagem feita à "Canção do Exílio", de Gonçalves Dias:
Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
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Gonçalves Dias |
Gonçalves Dias (1823-1864) escrevia sob a perspectiva de fundação de uma visão de Brasil explorando os temas consagrados do Romantismo, segundo Alfredo Bosi: a Natureza, a Pátria e a Religião. A exaltação da pátria de Gonçalves Dias manifestasse na saudade de quem estava na Europa enquanto Guilherme de Almeida escreve pensando no brasileiro que vai para a Europa em nome de um Brasil para o qual vai retornar, sem, contudo, deixar de explorar os mesmo temas, ainda que de modo diferente.
Em trecho seguinte, o poeta moderno volta a fazer referência ao colega romântico, mas também incorpora duas canções populares:
Você sabe de onde eu venho?
E de uma Pátria que eu tenho
No bôjo do meu violão;
Que de viver em meu peito
Foi até tomando jeito
De um enorme coração.
Deixei lá atrás meu terreno,
Meu limão, meu limoeiro,
Meu pé de jacarandá,
Minha casa pequenina
Lá no alto da colina,
Onde canta o sabiá.
O sabiá de Gonçalves Dias aparece, então, cantando não mais no alto de uma palmeira, mas no "
Meu limão, meu limoeiro", próximo à "
Casinha da Colina", duas músicas extremamente populares. Ou seja, Guilherme de Almeida não só escreveu uma "Canção" nacionalista, como usou referências que tocavam fundo nas lembranças afetivas do brasileiro comum: sucesso na certa! Tinha como não dar certo?
Para saber +
No site da
Academia Brasileira de Letras (ABL) há duas boas biografias.
Guilherme de Almeida se tornou um acadêmico em 1930, recebendo justamente a cadeira n. 15 cujo patrono é Gonçalves Dias.
Aproveite e leia também os "Textos Escolhidos" para cada autor.