Na virada do século XX, São Paulo era uma cidade em crescimento acelerado, mas ainda assim longe de ser uma metrópole. A capital da República, Rio de Janeiro, era de fato uma cidade muito mais populosa e... cosmopolita. Capital e sede da Corte desde a chegada a Família Real Portuguesa em 1808, o Rio era a porta de entrada de legações diplomáticas e produtos estrangeiros, uma conexão direta com a Europa. Esta “vocação” continuou com a República, apesar da descentralização que vinha ocorrendo. Não por acaso via-se no Rio a chamada belle époque tropical: moda, literatura, companhias de teatro e ópera vindas Europa tinham acolhida certa.
Se o Rio de Janeiro havia abrigado a monarquia, em São Paulo vivia outro rei – o café – e este tinha muito mais poder. Metáforas à parte, o poderio econômico do estado de São Paulo era fruto da crescente produção e preços favoráveis do café no mercado internacional, o que concedia aos paulistas uma proeminência política ímpar. Feito o golpe (com auxílio dos militares) a Primeira República seria inevitavelmente a dos cafeicultores. Viaduto do Chá, 1929 |
Vista do Vale do Anhangabaú com Teatro Municipal à direita, 1920 |
É neste contexto que veríamos a construção de um dos cartões postais da cidade (à época e ainda hoje): o Teatro Municipal. São Paulo possuía teatros, um tanto acanhados, é verdade, mas o Novo Teatro São José era bem maior que os demais. No entanto, não havia um capaz de abrigar concertos de ópera e música erudita, nem tampouco espelhar o requinte que a elite paulistana esperava exibir. Desse modo, em 1903 começou-se a construir o que seria o Teatro Municipal, na mesma colina onde antes ficava o São José. O projeto e desenho de Claudio e Domiziano Rossi foram executados pelo escritório do renomado engenheiro-arquiteto Ramos de Azevedo, o construtor predileto dos barões do café. Em estilo eclético e inspirado na ópera de Paris, o Theatro (como então se grafava) ocupava o alto de uma das áreas de lazer mais concorridas da época, o Vale do Anhangabaú, no coração da cidade.
A inauguração ocorreu em 1911, há exatos 100, e inscreveu São Paulo no circuito das companhias europeias de ópera. No entanto, o maior espetáculo recebido pelo Teatro Municipal pretendia justamente romper com o tradicionalismo e com as eternas referências à Europa: a Semana de Arte Moderna de 1922. No mesmo ano se comemorou o centenário da Independência do Brasil com festa também em São Paulo, mas mais ao sul da cidade, no Museu do Ipiranga. Esta não pretendia romper com nada, pelo contrário, pretendia-se reforçar o caráter fundador de São Paulo na formação do Brasil, como quem diz “a cidade do café é também o berço do Brasil”. Uma bela construção! Seja nesta festa mais tradicional, seja na semana que se pretendia vanguardista, a elite ligada ao café parecia comemorar seu vigor econômico, político e cultural. E eles nem imaginavam que ao fim daquela década veriam a derrocada dos preços do café e uma sutil, mas significativa, mudança de rumos na política nacional. No entanto, seus monumentos ainda persistem, a memória que construíram de si continua de pé, presente. Resta ainda um aviso a fazer: a história dos sucessos da oligarquia do café construída por ela mesma não é a História do Brasil República, e nem mesmo a História de São Paulo.
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