Todo mundo deve se lembrar daquela formulação dos ciclos. Por mais que já esteja em desuso, ainda tem alguém que lembra do ciclo do açúcar, do ciclo do ouro, do ciclo do café... Esta imagem de ciclo sugere um início e um fim que nenhuma atividade econômica oferece. A produção de açúcar não foi deixada de lado por conta do ouro ou do café, aliás, sequer dividiam o mesmo espaço geográfico. Mas, além disso, onde estaria o ciclo do tropeirismo. Nunca existiu, é claro, nem como ideia torta. Afinal, o transporte em lombo de mula atingiu todo o território colonial e depois independente do Brasil, e durou muito mais do que se pode imaginar.
Diante desta importância que sugiro a leitura atenta do belo texto de Luiz Cruz, publicado na Revista de História da Biblioteca Nacional. Como se não bastasse, ainda está cuidadosamente ilustrado com aquarelas de Debret e fotos de Minas Gerais.
Memória tropeira
Uma crônica sobre homens que, ao transportar riquezas pelo país, fundaram cidades e uniram o Brasil
Em 1671, Fernão Dias revelou a intenção de estruturar uma bandeira paulista objetivando encontrar as sonhadas serras de prata e de ouro. Passou três anos preparando os roteiros, levantando recursos, víveres, pessoal e tropa. Sua bandeira adentrou o sertão em 21 de julho 1674. No final do século XVII o ouro foi encontrado e atraiu muita gente: fluminenses, paulistas, baianos, pernambucanos e até mesmo portugueses, que para as Minas vieram à procura da riqueza fácil no ouro encontrado nas margens dos ribeiros. O metal precioso movia tudo, mas era uma vida difícil. Tudo vinha de longes paragens para abastecer as áreas minerarias. Logo surgem as primeiras plantações de subsistência. Ao longo dos caminhos vão criando os pontos de descanso, abrigo e abastecimento. No final dos setecentos mais de meio milhão de pessoas vivia nas Minas Gerais e para garantir a sobrevivência e diversificar a circulação de bens, outras atividades foram desenvolvidas: agricultura e agropecuária.Para ajudar a visualizar este tropeiro, especialmente o "tipo" que sobrou depois do advento dos trens e dos caminhões, dê uma olhada num trechinho do documentário Os últimos tropeiros, rodado em 2009 no Vale do Paraíba paulista.
São João del Rei tornou-se um expoente entreposto e passou a circular com a produção, recebendo e enviando produtos para outras localidades e especialmente o Rio de Janeiro. O que era encaminhado: carne, toucinho, café, arroz, feijão, farinha, milho, rapadura, aguardente, algodão, trigo, queijo e doce. Diversos animais: galinhas, carneiros, patos, perdizes. Transportavam também utensílios como: selas, estribos, chicotes, chapéus etc. Tudo isso era transportado por tropas, que tocavam, ainda, boiadas que eram comercializadas por todos os cantos. Muitas tropas circulavam com oratórios de santos de suas devoções, mas tinham como padroeira Nossa Senhora da Boa Viagem. Alguns tropeiros vendiam santos de barro cozido, peças pequenas que se tornaram conhecidas como paulistinhas.
No comando do comboio ia a madrinha da tropa, que era uma mula ou égua líder, podia ser a mais velha e a conhecida de todos os muares. A madrinha portava o guinzo ou cincerro, fitas e ia sinalizando a passagem ou chegada da tropa. Por ser mais hábil, ela identificava o melhor percurso, disciplinava os demais animais, impedindo que a ultrapasse. Auguste Saint-Hilaire registrou: “No silêncio das matas ouvia constantemente o eco das vozes dos tropeiros e o ruído dos guizos da madrinha da tropa, mula predileta que guia fielmente a caravana, a cabeça ornada de panejamentos coloridos tendo ao alto uma pluma ou uma boneca.”
(CONTINUA)
É interessante pensar que o texto de Luiz Cruz fala apartir de Minas Gerais, enquanto o nosso documentário olhava de São Paulo. E ainda poderíamos pegar outros trabalhos olhando do Rio Grande do Sul, da Bahia, do Piauí, de Goiás, todas áreas importantes para criação de animais e/ou passagem de tropas.
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