sábado, 13 de agosto de 2011

O sertão e seus personagens

Hoje tivemos uma reunião com as equipes (e demais interessados) que irão participar da 3a. Olimpíada Nacional em História do Brasil. Como a ONHB começa na segunda-feira optamos por algo mais prático e urgente: rever mais uma vez o estilo da prova. Para isso pegamos algumas questões das edições anteriores para "estudar" o formato.
Entre as questões, uma tratava do conceito de Banditismo Social, sob a ótica dos trabalhos de Eric Hobsbawm. Para o historiador as condições nascidas dos conflitos agrários decorrentes do avanço do capitalismo sobre o campo e relações familiares tradicionais levam ao "banditismo social". O exemplo brasileiro é o cangaço no Sertão Nordestino, cujo maior nome é Lampião.
Como complemento ao texto, a questão oferecia a foto abaixo, tirada em 1938 após a o ataque da Volante (força policial móvel) ao bando de Lampião depois de anos de perseguição. A degola e a exibição das cabeças - por meio das fotos ou levando-se as cabeças para excursionar pelas cidades da região - evidenciava tanto o ódio nutrido ao longo dos anos pelas forças policiais, quanto a necessidade de se afirmar um poder sobre os desafiadores recém executados.


Por coincidência, nesta mesma semana li no site da Revista Cult (via Twitter) uma entrevista com a historiadora Isabel Lustosa a respeito das origens do cangaço. O interessante é que ela começa justamente discordando de Hobsbwm e criticando a memória "positiva" que muitos tem de Lampião como um Robin Hood brasileiro.
Fica aqui a sugestão de leitura.


O gângster do sertão
Historiadora explica como o descaso e a conivência permitiram o surgimento do cangaço

Mito que inspirou a música, a literatura e o cinema nacionais, o rei do cangaço é tema da biografia Lampião – Violência e Esperteza, escrita pela socióloga Isabel Lustosa.
De caráter marcadamente didático, a obra, prevista para chegar às livrarias em 12 de agosto, enfatiza a narrativa da história por meio do resgate das imagens de época, que vão desde a convivência em meio ao bando a detalhes das indumentárias usadas e fotos e reportagens em jornais.
Doutora em ciência política pelo Iuperj e pesquisadora da Casa de Rui Barbosa, no Rio, a autora explica, na entrevista a seguir, como o cangaço se apoiou na conivência das elites locais e no descaso do Estado.

CULT – Como Lampião se insere na tradição dos foras da lei a que se refere Eric Hobsbawm? Há algum aspecto em sua trajetória que o aproxime do resgate “social” promovido por Robin Hood ou do “político” de um subcomandante Marcos?
Isabel Lustosa – Não me identifico muito com a tese de Hobsbawm. Aliás, ela é muito bem analisada e criticada pelo principal autor com que trabalhei para escrever este livrinho: Billy Jaynes Chandler.
Lampião não era de maneira nenhuma um Robin Hood, pois jamais roubou dos ricos para dar aos pobres, a muitos dos quais roubou, torturou e matou com requintes de crueldade.
Sua motivação sempre foi pessoal e, desde a juventude, com os irmãos, se metera em várias brigas na vizinhança, fazendo seus primeiros inimigos entre essas pessoas às quais continuaria a perseguir pela vida afora.
(CONTINUA)

2 comentários:

  1. Erik,

    Sempre discordei dessa visão romantizada que se gerou do Lampião. De festas tradicionais a longas reportagens exaltando os "feitos" do cangaceiro. Nunca entendi direito porque as pessoas valorizavam alguem, como ele.

    Um assassino cruel e estuprador que se tornou herói nacional. Nunca vi diferença nenhuma dele para qualquer marginal preso atualmente por aí. Impressionante ver também como a mídia valoriza a figura de herói Lampião, já cansei de ver reportagens em que ele era tratado exatamente no tom de Robin Hood.
    Para mim, e \o/, aparentemente, para alguem que compartilha a minha opinião, a entrevistada, historiadora Isabel Lustosa, essa valorização é uma enorme contradição.
    Queria saber o que voce pensa do "rei do cangaço"?

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  2. Krisman,

    Eu concordo com a contradição existente entre o mito e o "verdadeiro" Lampião. A própria ideia de "badido social" pode ser questionada, no entanto entendo a construção do herói. Vale destacar que essa imagem de Robin Hood não é fruto exatamente do trabalho da Mídia, mas da literatura de cordel, primeiramente. E neste sentido, enaltecer Lampião como aquele que afrontou a lei, justamente aquela lei que acabava por proteger os Coronéis e a manter as desigualdades e injustiças do sertão nordestino. Assim, Lampião surgia não como um fora-da-lei, mas como um contra a lei ditada pelos poderosos. É claro que foi-se esquecendo propositadamente dos crimes nada nobres cometidos e optando-se por florea a generosidade do cangaceiro.
    Depois, durante da Ditadura, filmar a história de Lampião ou o cangaço em geral era também uma metáfora política de crítica à dominação e ao uso torto das leis.
    Por fim, é bom lembrarmos que a construção dos heróis (os reais, não os das HQs) sempre implica em escolhas. Ou podemos acreditas nos bravos generais, nobres guerreiros e ilustres líderes que a história registrou? Só depende se o herói te serve de algo!

    Abraço

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