quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Como começa na realidade uma guerra?

Um dos trechos mais impactantes do livro Nada de novo no front é o diálogo entre os soldados e amigos a respeito dos motivos da guerra, após a visita do imperador alemão, o Kaiser Guilherme II, às tropas:

- Mas uma coisa eu gostaria de saber - diz Albert. Teria havido guerra se o Kaiser se tivesse oposto?

- Acredito que sim - afirma. Dizem que ele, na verdade, não a desejava.

- Bem, talvez ele sozinho não fosse suficiente, mas bastaria que umas vinte ou trinta pessoas no mundo tivessem dito "não".

- É provável - admito -, mas eram justamente essas pessoas que queriam a guerra.

- Pensando bem, é curioso - continua Kropp. Estamos aqui para defender nossa pátria. Mas os franceses também estão aqui para defender a deles. Quem tem razão?

- Talvez ambos esteja certos - digo, sem muita convicção.

- Sim - prossegue Albert, e vejo que ele quer me envolver -, mas nossos professores, sacerdotes e jornais dizem que só nós temos razão, e espero que seja verdade; mas os professores, sacerdotes e jornais franceses afirmam que a razão está do lado deles. Como é possível?

- Não sei - digo. - De qualquer maneira, o certo é que há guerra e que cada vez mais países aderem a ela.

Tjaden reaparece. Continua agitado e mete-se imediatamente na conversa, perguntando como começa na realidade uma guerra.

- Geralmente, é assim: um país ofende gravemente o outro - responde Albert, com um certo ar de superioridade.

Mas Tjaden faz-se de bobo e finge não compreender.

- Um país? Não entendo isso. Uma montanha na Alemanha não pode ofender uma montanha na França. Nem um rio, nem uma floresta, em um campo de trigo.

- Você é mesmo tão ignorante, ou nestá só fingindo? - pergunta Kropp, irritado. - Não quis dizer isto. Um povo insulta o outro...

- Então, não tenho nada a fazer aqui - responde Tjaden -, porque não me sinto ofendido!

- Bem, deixe que eu lhe diga uma coisa - declara Albert, com agressividade -, isto não se aplica a você, seu caipira.

- Mas, então, eu posso ir logo para casa! - replica Tjaden.

Todos começam a rir.

- Mas que burrice! Ele está se referindo ao povo em conjunto, isto é, ao Estado - grita Müller.

- Estado, Estado - diz Tjaden, estalando os dedos. - Polícia, impostos... é isto que vocês chama de Estado. Se se interessam por este Estado... podem ficar com ele, e bom proveito.

- Concordo - diz Kat. - É a primeira vez que diz alguma coisa certa, Tjaden; Estado não é pátria... há, na verdade, uma diferença entre eles.

- No entanto, estão ligados - observa Kropp. - Não pode haver pátria sem Estado.

- É verdade, mas pense um pouco; somos quase todos gente do povo. E, na França, a maioria das pessoas também é gente do povo: operários, trabalhadores e pequenos empregados. Por que, então, deveria um serralheiro ou um sapateiro francês nos agradir? Não, são só os governos. Antes de vir para a guerra, nunca tinha visto um francês; e deve ter ocorrido o mesmo com a maioria dos franceses em relação a nós. Pediram a sua opinião tanto quanto a nossa.

- Mas, então, para que serve a guerra? - indaga Tjaden.

Kat dá de ombros.

- Deve haver gente que tira proveito dela.

- Bem, eu não faço parte deles - ri Tjaden, irônico.

- Nem você, nem nenhum de nós aqui.

2 comentários:

  1. Acho que conflitos podem ser resolvidos de outras maneiras, sem que para isso, pessoas tem que morrer. Até mesmo no texto, o homem estava na guerra sem CONHECER o seu oponente. Mas de verdade, para que serve a guerra? Eu também não faço parte dos que tiram proveito dela.

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  2. Bia,
    Creio que seja exatamente essa a beleza do texto. Quando se opta pela violência, pela guerra, não se pergunta se o outro tem mãe, pai ou filho, se o outro estuda ou trabalha, se ele gosta de macarrão ou peixe.
    A guerra só faz "sentido" para quem tira proveito dela: governos, indústria de armas e outros segmentos.

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