terça-feira, 17 de maio de 2011

As primaveras

Quando nos deparamos com uma série de agitações políticas, manifestações pacífica ou armadas e derrubada de governos é quase obrigatório dar um nome a isso, algo que defina o que está acontecendo. No entanto, para os historiadores definir o que está acontecendo não é assim tão simples, afinal o normal é definirmos o que aconteceu passado um tempo não só para o ocorrido como também para podermos verificar dados, consultar fontes diversas, confrontar informações.

Praça Tahir, Egito - Foto: Misan Saleh/AFP
A alternativa, especilamente para os jornalistas que precisam de algo para "hoje", é recorrer para a comparação. O que não constitui, em si, grande problema, contanto que se tenha sempre em mente que uma comparação em história é (sempre) como olhar um sózia: parece muito com fulano, mas não é a mesma pessoa. É o que acontece quando chamamos os movimentos políticos que estão acontecendo no norte da África e Oriente Médio desde o começo deste ano. Apesar das diferenças de nomenclatura entre um jornal e outro, tem crescido o uso do termo "Primavera Árabe". Mas o que significa esta expressão?
A referência mais clara é à "Primavera dos Povos" acontecida em 1848 na Europa Central. Um onda de protestos razoavelmente autônomos varreu o continente indo da França até a Hungria, passando por Alemanha, Itália, Áustria e demais territórios no meio do caminho. Como é de se esperar os acontecimentos de 1848 não foram um raio em meio ao céu azul e foram tomando corpo em anos anteriores guardando particularidades em cada região da Europa. Em alguns lugares reuniu questões nacionalistas, então emergentes, e reivindicaram independência de seus territórios. Em outros as reivindicações partiam de camponeses sem terra e trabalhadores urbanos vivendo de forma precária. Ou ainda, havia uma baixa burguesia que ansiava por maior relevância política.
Quase 60 anos antes tivera início a Revolução Francesa, movimento burguês que contou com a presença maciça da população mais pobre em seu momento mais radical, quando da ação dos jacobinos. O questionamento da sociedade do Antigo Regime, o fim dos privilégios da nobreza e do clero, bem como dos mais variados monopólios, abriu perspectivas novas para a burguesia industrial e comercial. A radicalização do movimento definitivamente atrapalha os planos desse grupo social, de modo que a ascenção de Napoleão Bonaparte configurou-se como um processo de consolidação dos ganhos anteriores.
Por mais que Napoleão constituisse um governo mais autoritário do que imaginava-se com a República instaurada após a execução de Luiz XVI, ainda assim o general mantinha e propagava ideais da Revolução, especialmente no campo jurídico e econômico. Assim, a expansão napoleônica significou também um "espalhamento" desses princípios pela Europa continental, de Portugal, a oeste, até os limites da Rússia, a leste.
No entanto, a derrota de Napoleão nos campos de batalha levou inevitavelmente a uma rodada de discussões acerca do futuro dos países europeus. O Congresso de Viena - reunião desses países com destaque para Áustria, Rússia e Inglaterra - decidiu o retorno à antigas fronteiras e dos antigos governos. O que na prática significou o retorno das antigas dinastias e casas reais ao poder nos Estados do continente. Porém, não era mais possível voltar ao antigo absolutismo. Poderíamos dizer que as mentes estavam definitivamente contaminadas pelas ideias da Revolução. Na França, por exemplo, o retorno à monarquia significou a instauração de um regime constitucional.
(Continua...)

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