O assunto é espinhoso e já aviso de antemão que não tenho qualquer pretensão a esgotá-lo aqui. Mas vamos tentar delimitar algumas questões.
A defesa veemente da liberdade de expressão como princípio da vida em sociedade surgiu de fato com os iluministas. Não só se expressar fazia parte da dinâmica do pensamento esclarecido - refletir e discutir são duas faces da mesma moeda - como passou a fazer parte da bandeira dos direitos do homem. Considerando que o Antigo Regime, com seus reis Absolutos, não permitiam a livre circulação de informações e opiniões, e usavam a censura como forma de controlar a disseminação de "ideias perigosas", a defesa do direito de se manifestar ia ao encontro das críticas à falta de outras liberdades como, por exemplo, a participação política. É neste contexto que teremos Voltaire afirmando
"Eu posso não concordar com o que você diz, mas defenderei até a morte o direito de dizê-lo"
Voltaire (1694-1778) |
No caso brasileiro o Estado independente nascerá inspirado pelos preceitos liberais e ao contrário do que pode se imaginar a liberdade de expressão era tamanha que a linha do excesso era frequentemente ultrapassada.
Materializada pela imprensa, os jornais do século XIX gozavam de uma liberdade inacreditável para os nossos dias. Apesar de alguns processos contra os donos dos periódicos não parecia haver qualquer inconveniente em chamar o Regente Feijó de "padre imoral" ou afirmar que ele havia sido "parido em um chiqueiro de porcos".
A República, por sua vez, alternou momentos mais livres com momentos menos livres. Mas via de regra o controle de opinião recaía sobre os opositores. Quem estava em baixo criticava aqueles que estava em cima no edifício político. Mesmo antes das Ditaduras (Vargas e Militar) a censura ou o ataque aos jornais (chamado de empastelamento) era coisa relativamente comum.
Atualmente, as liberdades de pensamento e expressão estão resgardadas na Constituição de 1988 logo nos primeiros artigos, porém é público e notório que nossos Códigos também preveem punição para calúnia e difamação. Ou seja, o "X" da questão reside justamente em saber qual é a linha que separa o seu direito de falar do direito de não ser ofendido por quem fala.
Devemos ser livres para denunciar injustiças sociais, violências contra indivíduos, etc?
Devemos ser livres para defender a superioridade de uma raça sobre outra?
Estas duas questões são relativamente simples de responder. O Deputado Jair Bolsonaro facilmente incorreu no excesso de liberdade ou, sejamos mais francos e diretos, usou sua liberdade de expressão para manifestar seu racismo e sua homofobia. Assim como o caso do jornalista Caio Blinder que disse no Manhattan Connection, programa do canal Globo News, no dia 3 de abril em meio ao debate sobre as revoluções no mundo árabe:
"Politicamente, ela [a Rainha Rania, da Jordânia] e as outras piranhas [mulheres de ditadores] são intragáveis" (...) "Todas elas têm uma fachada de modernização desses regimes, ou seja, não querem parecer que são realeza parasita e nem mulher muçulmana submissa. Isso é para vender para o Ocidente, enquanto os maridos estão lá, batendo e roubando". (AQUI)
Há dúvidas de que Blinder falou bobagem? Não. Foi uma mega asneira vinda de um jornalista considerado sério. A saída, a única existente, foi a retratação pública. Já Bolsonaro preferiu argumentar que não entendeu as perguntas do programa CQC e por isso disse o que disse.
Em todo caso, não creio que a solução seja limitar a fala, mas arcar com as consequências de sua liberdade. Se meu pensamento tem autoria devo ser responsável por aquilo que verbalizo, como fez Blinder, e levando em conta que em alguns casos uma retratação não é o suficiente. Pode haver crimes envolvidos como racismo, incitação à violência, etc. E aí, cumpra-se a lei, diante da qual todos são iguais, correto?
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Segundo o dicionário, liberdade de pensamento é o "direito que cada um tem de expor suas opiniões, crenças e doutrinas", e este direito é garantido aqui. No entanto, qualquer comentário sexista, racista ou de algum modo ofensivo será apagado.