segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Sobre a ideia de igualdade

Muito se fala (e se falou ao longo da História) sobre a ideia de igualdade. A sociedade contemporânea, nascida do pensamento racional ocidental e das Revoluções Burguesas, baseia-se na igualdade jurídica. É verdade que a igualdade social permanece como um desejo, mas a igualdade legal, aquela que diz "somos todos iguais perante a lei" marca, em tese, a morte dos privilégios. No caso da Revolução Francesa, por exemplo, tinha-se a morte dos privilégios da nobreza e do clero, dos monopólios reais e das distinções por nascimento.
No entanto, no Brasil a luta contra privilégio sempre teve um caminho muito tortuoso. A desigualdade é quase natural e de difícil combate. Em muitos casos luta-se mais para conseguir privilégios para si que para garantir a igualdade perante os demais. Como o antropólogo Roberto da Matta já tratou, o "sabe com quem você está falando" é um indicativo deste universo cultural. O pretenso "doutor", seja por ter ou por parecer ter dinheiro, já se considera superior. Para citar apenas mais um exemplo, temos os juízes, guardiões das leis que garantem nossa igualdade, também defensores de vagas exclusivas de estacionamento em frente aos tribunais, mas em plena via pública. E que fique claro: público = de e para todos!
Diante deste cenário todo li com muito interesse a carta de um leitor do jornal Folha de S. Paulo em 18 de agosto e gostaria de compartilhar com todos vocês. Leiam com atenção!

'Como todo brasileiro, ciclista odeia a igualdade', diz leitor
ALEXANDRE PINHEIRO
Moro no Rio. Estava prestes a atravessar a calçada de uma rua próxima à minha casa quando alguém parou de repente a poucos centímetros das minhas costas, fazendo um som com a boca.
Virei-me, surpreso, e havia uma moça na contramão em uma bicicleta que, por pouco, não me atingiu. Quando passou por mim, eu senti que tinha o direito de reclamar e falei: "Pô, na contramão?!".
Mas eu esqueci que estava diante de uma raça superior, a dos ciclistas, e fui devidamente xingado de "babaca".
Certamente a ciclista viu no meu rosto que eu não sei andar de bicicleta e sou usuário de transporte público, visto que não tenho automóvel (assim como meus pais nunca tiveram) nem mesmo sei dirigir. Em outras palavras, eu sou um mero pedestre e por isso valho muito pouco diante da superioridade moral dos ciclistas --afinal, eles salvarão o planeta de gente como eu, que depende do transporte público poluente.
Infelizmente, essa pretensa superioridade moral dos ciclistas --facilmente observada quando trafegam na contramão, na calçada, avançando sinais-- não me surpreende nem um pouco. Aliás, vejo aí um comportamento típico dos brasileiros: nosso ódio visceral pela igualdade.
Quando vejo os ciclistas, não consigo evitar de pensar em uma hipótese que talvez servisse para meus colegas pesquisadores das ciências sociais: o uso da bicicleta esconde a repulsa de seus usuários pelo contato com os outros --seja físico, no ônibus ou no metrô, seja dividindo o mesmo espaço na rua, dentro dos carros (em ambos os casos, todos são iguais, estão todos na mesma situação e não importa quem tem mais capital cultural, social ou econômico).
O ciclista não apenas se afasta das pessoas, como também se põe acima dela.
Alguns alegarão que não posso generalizar, pois há o "bom ciclista" e o "mau ciclista". Concordo. Mas, quando um deles é atropelado, transformam-se nos ciclistas. Quando é para elogiar e paparicar quem usa bicicleta para salvar o planeta ou a si mesmo, são todos ciclistas. Ou seja: o bônus é de todos; o ônus é individual. Como todo brasileiro, ciclista odeia a igualdade.

Pense nisso!

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Segundo o dicionário, liberdade de pensamento é o "direito que cada um tem de expor suas opiniões, crenças e doutrinas", e este direito é garantido aqui. No entanto, qualquer comentário sexista, racista ou de algum modo ofensivo será apagado.