terça-feira, 15 de novembro de 2011

Unicamp 2012: comentários

No domingo último, dia 13, ocorreu a primeira fase do vestibular Unicamp 2012. O atual formato teve início no ano passado e aproximou a prova de seleção da tendência já sinalizada pelo ENEM: exigência de conhecimentos transversais, habilidades que vão além da simples "decoreba", interpretação de textos e questões que não desprezam a bagagem dos alunos. Considerando que a Unicamp já possuia uma tradição em fazer provas bem feitas, não é de se surpreender com a qualidade da atual.
Uma das mudanças instituídas no ano passado foi a redação, ou melhor, as redações: agora são 3 propostas diferentes, mas que guardam um certo diálogo entre si. Eu, particularmente, adorei as deste ano. Temas atuais que exigiam formatos que, ao mesmo tempo, pediam o domínio da técnica, mas saía daquele formato quadrado dissertação-narração-carta. Vale a pena conferir!
Com relação as questões de História, tivemos uma prova balanceada contemplando inúmeros temas: história dos povos árabes (na África), moderna (renascimento e reformas religiosas; e iluminismo), contemporânea com ênfase em geopolítica (Conflito Israelo-Palestino), Brasil Colônia (emboabas), Brasil Império (guerra do Paraguai) e Brasil recente (Diretas Já!).
Ainda assim, me surpreendeu a falta de alguns temas, como África Negra, escravidão no Brasil, América Latina e anos 1940-1950 (Brasil e Mundo). Mas sabemos que não dá pra colocar tudo em cerca de 9 questões.
Gostaria de chamar a atenção para alguns detalhes:
1. A questão sobre a Guerra do Paraguai apresentou exatamente o mesmo texto trabalhado pela 2a. série neste bimestre. Faz parte do nosso livro didático e foi alvo de um trabalhinho.
2. O trecho do Contrato Social de Rousseau serviu a duas questões, uma de cunho mais filosófica e outra de inserção da filosofia em seu contexto histórico, como deve ser.
3. Por fim, comento uma questão em particular.

(Questão 38 da prova Y)

“Ninguém é mais do que eu partidário de uma política exterior baseada na amizade íntima com os Estados Unidos. A Doutrina Monroe impõe aos Estados Unidos uma política externa que se começa a desenhar. (…) Em tais condições a nossa diplomacia deve ser principalmente feita em Washington (...). Para mim a Doutrina Monroe (...) significa que politicamente nós nos desprendemos da Europa tão completamente e definitivamente como a lua da terra.”
(Adaptado de Joaquim Nabuco, citado por José Maria de Oliveira Silva, “Manoel Bonfim e a ideologia do imperialismo na América Latina”, em Revista de História, n. 138. São Paulo, jul. 1988, p.88.)
Sobre o contexto ao qual o político e diplomata brasileiro Joaquim Nabuco se refere, é possível afirmar que:
a) Joaquim Nabuco, em sua atuação como embaixador, antecipou a política imperialista americana de tornar o Brasil o “quintal” dos Estados Unidos.
b) A Doutrina Monroe a que Nabuco se refere, estabelecida em 1823, tinha por base a ideia de “a
América para os americanos”.
c) Ao declarar que a América estava tão distante da Europa “como a lua da terra”, Nabuco reforçava a necessidade imediata de o Brasil romper suas relações diplomáticas com Portugal.
d) O pensamento americano considerava legítimas as intenções norte-americanas na América Central, bem como o apoio às ditaduras na América do Sul, desde o século XIX.

Resolução:
Considero que esta era a questão mais complexa da prova, pois exigia o domínio de ao menos dois momentos históricos distintos: um sobre a Doutrina Monroe e outro sobre Joaquim Nabuco. É claro que se aluno soubesse exatamente a data da Doutrina e seu lema mataria a resposta, mas considerando o contrário, seria preciso localizar de quando é a fala de Nabuco.
A Doutrina Monroe já foi discutida por aqui em outro post e outro contexto, mas vale repetir um trecho definidor da fala do presidente estadunidense James Monroe em 1823:

Julgamos propícia esta ocasião para afirmar, como um princípio que afeta os direitos e interesses dos Estados Unidos, que os continentes americanos, em virtude da condição livre e independente que adquiriram e conservam, não podem mais ser considerados, no futuro, como suscetíveis de colonização por nenhuma potência européia (…)


Formulada no início do século XIX, ou seja, bem antes de os EUA virarem uma potência mundial, a Doutrina tinha como objetivo diminuir, senão impedir, o assédio imperialista europeu no continente Americano após a independência de quase todos os territórios que antes haviam sido colonizados por países do Velho Mundo.
Na imagem, Tio Sam barra a Inglaterra e a Alemanha
Nabuco, por sua vez, fala da virada do século XIX para o XX, momento em que o imperialismo comercial inglês, francês e alemão era extremamente forte na América Latina e especialmente no Brasil. Sua defesa era de se fazer frentes à Europa seguindo o lema "a América para os americanos", de Monroe, ou seja, aumentando independência da diplomacia brasileira em relação à Inglaterra, por exemplo.
Era importante, para esta questão, esquecer os EUA pós-Segunda Guerra Mundial, quando, já uma potência, o lema acaba tendo uma conotação bem negativa: "A América para os americanos do norte", por assim dizer. E aí sim, a fala de Nabuco pareceria entreguista.

Resposta: B

Para quem não viu a prova toda, clique AQUI
O gabarito se encontra AQUI


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